28 março, 2006

Irmãos

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 349 > Março 2006
Rubrica: Nós, pais
> Texto: Ana Maria e Joaquim Leite

Comum a todos os homens, a família é o cerne da nossa origem, da nossa estruturação e crescimento, ponto fundamental da educação do nosso ser. Cada um de nós depara-se com uma estrutura familiar, onde naturalmente os mais velhos, pais e avós, são educadores, destacando-se na própria família uma célula especial, que geralmente nos diz muito – os irmãos.

A união dos irmãos

Para além da maior proximidade de idades, há toda uma carga genética que, à partida, une os irmãos, os “laços de sangue”, fortalecidos pela partilha e pela vivência de uma educação e experiências em comum. Há naturalmente uma afinidade com quem estamos mais tempo, de onde advém um maior e mais profundo conhecimento mútuo. Ora toda esta interacção e criação de laços de união e cumplicidade começa na mais tenra idade, onde a convivência diária de brincadeiras também é, geralmente, pautada por constantes desentendimentos – aqui é mais complicado partilhar as coisas, os brinquedos, o rebuçado, as vitórias... sendo habitual haver um ou outro atrito. Mas se alguém de fora se mete com o irmão, tem de se haver com dois. Este laço é tão forte que muitas vezes nem dá tempo para ver quem é que tinha razão, passando logo a tomar a defesa do irmão em qualquer agressão. No entanto, nem sempre isto acontece, revelando-se apenas mais tarde, com um maior crescimento e maturidade, onde os irmãos que viviam “às turras” aceitam e gerem as suas diferenças, estabelecendo um equilíbrio, respeitando o espaço de cada um. A união dos irmãos tem de ser alimentada diariamente, mesmos nas fases mais difíceis da adolescência.

As diferenças de personalidade


É fundamental ter bem presente que cada irmão é um indivíduo com uma personalidade própria, distinta da do outro. Ora desta interacção entre diferentes personalidades e fases de crescimento resultam diferentes entendimentos e relações entre os irmãos. Os pais notam bem estas diferenças, notam bem que cada filho é único. Mas estas diferenças não devem ser encaradas como factores de desentendimento – pelo contrário, elas enriquecem o grupo, a família, que passa a contar com pontos de vista mais abrangentes, com alertas e chamadas de atenção aos mais variados assuntos da sociedade. É importante fomentar o respeito pelos interesses da cada um pelas suas diferenças, aceitando o irmão como ele é, com as suas opiniões próprias. Este respeito solidifica a autoconfiança de cada um, de como a sua opinião é importante, e nós queremos irmãos que pensem por si, logo não os devemos esmagar impondo a nossa opinião.

Desavenças e reconciliação

Nos adolescentes e jovens é importante que os irmãos saibam gerir os seus próprios conflitos, primeiro com a ajuda dos pais a mediar as situações, mas depois os filhos vão-se entendendo e percebendo que não têm de estar de acordo em tudo uns com os outros, respeitando a opinião de cada um.
No entanto surgem desentendimentos que não são fáceis de gerir, até mesmo a elevada capacidade de argumentação que vão revelando pode ajudar a agudizar mais a desavença pelo excesso de fundamentação. O crescimento vai-lhes fazer perceber que às vezes é preciso dizer, mas noutras é melhor calar, tudo no sentido da harmonia, que bem sabe, entre irmãos. Também o sentimento do perdão é fundamental para a reconciliação entre irmãos, ser tolerante e disponível, saber escutar, ter a humildade de aceitar que o nosso ponto de vista pode não ser o único nem o mais adequado. Fomentar o diálogo de ideias, estabelecer laços de ternura fraterna, tendo consciência que as zangas são passageiras.

Destacamos aqui a figura do irmão mais velho, que naturalmente tem tendência a cuidar dos outros, na ausência dos pais. A diferença de um ou dois anos fazem uma grande diferença na maturidade, e é o mais velho que tem mais experiência e toma as medidas mais sensatas de uma forma geral, sendo apaziguador e gerador de união entre os irmãos mais novos.

O que fazer para fomentar a união?
Quando a família está toda reunida, nem sempre é apreciado esse momento de conjunto. Todavia, quando um está uns dias fora, em casa dos avós ou em férias com amigos, parece que há um vazio em casa, o espaço e o tempo do irmão ausente está por preencher, e é com alegria que lhe damos um abraço quando regressa e lhe manifestamos as saudades que tivemos.
Procurar momentos em que nos sintamos todos um só, momentos de união em todas as idades, em que todos interagem, seja em tarefas domésticas, num jogo, numa ida ao cinema, num passeio, etc.; fortalecem o espírito do grupo, salientam a importância da complementaridade de conhecimentos de cada um, bem como ter momentos de oração colectiva em que se revela que pertencemos a algo para além de cada um de si mesmo.

Um irmão é alguém a quem sabemos poder recorrer num momento difícil da nossa vida.

Uma realidade cheia de cores

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 349 > Março 2006
Rubrica: Planeta Jovem
> Texto: Hélder Miguel Delgado

Como são coloridas as flores, os frutos e os animais. O nosso Planeta está repleto de paisagens lindas, planícies, florestas, montanhas, rios, mares e cascatas espectaculares. Até o deserto é lindo, e as superfícies geladas como a Antárctida, apesar de frias também têm a sua beleza.
Visto do espaço, o nosso Planeta parece uma bola achatada nos pólos, cheio de cores de várias tonalidades, desde o azul dos oceanos, até ao castanho dos continentes, passando pelo branco das nuvens, entre muitas outras cores. O nosso Planeta é lindo, mas está cada vez mais feio, porque está a ficar doente, vítima da poluição que o ser humano faz. Poluímos as águas, o solo e o próprio ar que respiramos, e não damos tempo ao Planeta para restabelecer o equilíbrio. Só nos preocupamos em consumir desenfreadamente os recursos naturais.

Onde está o amor e a preocupação pela Mãe Natureza?
Porque poluímos sem pensar no amanhã?
Até quando continuaremos a contaminar o nosso planeta?

Um dia pode ser tarde de mais!
Estamos perante uma realidade cheia de cores. A globalização mundial quebrou muitas fronteiras, e assim podemos viver entre culturas diferentes, várias religiões, muitas raças, enfim várias cores. Contudo existem ainda algumas fronteiras que não foram quebradas, e a fronteira do racismo é uma delas.
Muitas vezes fazemos falsos julgamentos de uma pessoa só porque pertence a uma raça ou etnia diferente da nossa. Criando a maior parte das vezes uma atmosfera de convivência negativa. E por isso é importante quebrar todo o tipo de barreiras que criam diferenças. Porque são essas diferenças que alimentam o ódio, a guerra e a tristeza.

Quando é que vamos aprender a amar o próximo, como amamos um irmão?
Será que um dia viveremos todos pacificamente?
A guerra só traz tristeza, então porque é que estamos sempre em guerra?

Talvez um dia, depois de tanto sofrimento e dor, o ser Humano chegue à conclusão de que realmente a única forma de viver pacificamente, é através da convivência social, respeitando o espaço de cada um e as ideias de cada um.
Os países desenvolvidos têm super-mercados onde as prateleiras estão cheias de produtos. Produtos esses nas mais diversas formas, cheiros e cores. É um verdadeiro arco-íris que alimenta o nosso olhar e a nossa vontade de consumir. E tantas vezes compramos ou produzimos em excesso, e depois deitamos aquilo que sobra para o lixo, ou então os produtos ultrapassam o seu prazo de validade, e depois são atirados para o lixo.
Mas se por um lado nós vivemos com facilidades, existem muitos outros que vivem com grandes dificuldades, tentam viver com o pouco que têm, pessoas pobres que passam fome, quando na verdade existe alimento em quantidade suficiente para todos nós. Vivem com fome, sem roupas decentes, desnutridos porque simplesmente não têm dinheiro para comprar bens ou produtos que permitam ter um conforto mínimo. E tudo isso porque nós Humanos, somos escravos do dinheiro. Humanos com fome de poder, sem olhar a meios para atingir os seus fins. E os que têm poder não se preocupam se há pessoas que passam fome, se precisam de um agasalho, se estão vacinadas. Apenas querem mais e mais poder.
É tanta hipocrisia, é tanta ganância que não se justifica, pois por mais poder e dinheiro que tenhamos, um dia morreremos, e deixaremos tudo o que conquistamos para trás. Então porque não partilhar? Podemos usar o nosso poder e sabedoria para ajudar aqueles que mais necessitam. Podemos todos lutar por um mundo igual, em que todos têm iguais oportunidades e todos vivem com uma boa qualidade de vida.
Vivemos num mundo colorido, mas nem sempre a cor é sinónimo de alegria. Por vezes, por detrás dessas cores estão escondidos corações cinzentos que precisam de muito amor, seja o nosso planeta Terra, seja um irmão de outra raça, seja aquele que vive em condições miseráveis. E cabe-nos a nós mudarmos o nosso futuro. Mudar o amanhã para que tenhamos um futuro verdadeiramente colorido e com muito amor.

22 março, 2006

Cuidar ou não cuidar?

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 349 > Março 2006
Rubrica: Caderno Diário
> Texto: Ana Merícia Ferreira

Querido Diário,
Responsabilidade é um termo que faz parte da lista de valores da sociedade em geral, mas tem-se verificado a sua falta nestes últimos tempos.
Entre muitos outros casos, a falta de responsabilidade aplica-se ao facto de existirem pessoas capazes de chamar animais de estimação àqueles que não são tratados da maneira que deveriam.
Para além das pessoas que possuem, ilegalmente, animais exóticos, existem aquelas que pretendem acolher um cão ou gato mas a verdade é que não têm condições para o fazerem. No fim de tudo isto, o resultado são animais abandonados em todos os sítios possíveis e imaginários na esperança de serem encontrados por alguém que lhes consiga dar algo mais que uma casa.
Este assunto surgiu de uma situação passada há uns dias quando, certa manhã o meu tio fazia o percurso, de carro, por uma estrada. A certa altura, apercebeu-se de alguma coisa no canto da estrada e de seguida deu-se conta que se tratava de um cão, neste caso, uma cadela de apenas algumas semanas. O meu tio, depois de perceber que a cadela tinha sido abandonada decidiu trazê-la para casa. A cadelinha já foi “baptizada” com o nome Lucky (sortuda). O nome foi bem escolhido, já que a cadela, no meio do azar de ter sido abandonada, teve a sorte de ter sido encontrada e acolhida por alguém que lhe dará o necessário.
Eu tenho a vantagem de ser vizinha do meu tio, o que me ajuda a vê-la e brincar com ela mais frequentemente. Agora os nossos animais (gato e cão) estão, assim como a Lucky, na fase de adaptação mas estão todos a reagir normalmente. De certeza que daqui a alguns dias estarão todos a brincar como se conhecessem desde sempre, pois a maioria dos animais adapta-se muito bem a novas situações.
Esta cadela teve a felicidade de ser encontrada mas a mesma sorte não têm outros animais que, à medida que o tempo passa, tornam-se cada vez mais frágeis e alguns acabam mesmo por morrer.
É por isto que devemos pensar, talvez mais do que duas vezes, antes de termos um animal de estimação, pois é um acto que envolve principalmente muita responsabilidade.
Para a próxima contar-te-ei as aventuras da Lucky com mais algumas semanas e muito mais energia.

Nada justifica a violência

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 349 > Março 2006
Rubrica: Outro Ângulo
> Texto: Maria Leonor

Parece-me completamente exa-gerada a reacção do Islão às caricaturas de Maomé publicadas por um jornal dinamarquês e, pos-teriormente, por outros jornais europeus.
A violência nunca é resposta para nenhuma provocação, ainda que ela afronte e viole os nossos princípios, e isto supostamente deve acontecer porque somos seres racionais e, como tal, capazes, em princípio, de resolver quaisquer atritos através de uma via pacífica.
Evidentemente que tudo isto é teoria face aos acon-tecimentos mundiais, mas justificar a violência nunca é argumento para coisa ne-nhuma. No entanto, e dado que sou um ser pensante, creio que, da mesma forma que para mim a liberdade de imprensa é inviolável, também para um muçulmano o respeito pela sua religião é sagrado. Logo, parece-me pertinente que não seja correcto gozar com tudo e achar que a liberdade de imprensa é infinita.
A verdade é que todos convivemos num Mundo constituído por perspectivas muito diversas e é-nos incutido desde cedo que a nossa liberdade termina onde começa a do Outro. O problema é que o respeito pelas outras culturas, por vezes, ultrapassa essa barreira do Outro e acabamos por desconfiar de tudo o que é diferente de nós. Ainda que não seja assim tão diferente nas outras culturas (e daí um árabe não morrer de amores por um ocidental, sobretudo por um norte-americano!), não me parece nada bem generalizar factos, culturas e situações, e o pior erro das caricaturas sobre o profeta Maomé foi exactamente o de transmitir a ideia xenófoba e redutora de que todos os muçulmanos eram terroristas. De facto, não o são e as manifestações transmitidas na televisão estão longe de mostrar multidões desenfreadas. Quando muito vemos umas centenas de pessoas a manifestarem-se, mas o que é isso perto de milhões e milhões de árabes?
O que é lamentável em tudo isto é o arrastamento provocado pelo incidente das caricaturas e as consequências todas que daí têm advindo.
Um caricaturista residente na Austrália aproveitou a situação e decidiu ridicularizar com o Holocausto, uma atrocidade histórica também minimizada há semanas atrás pelo actual presidente do Irão. As situações são similares, mas a incapacidade de o ser humano em ser imparcial não lhe permite compreender isso. O dito caricaturista argumentou que foi a sua empatia em relação à indignação árabe que o levou a publicar estas tristes caricaturas. A mim, parece-me, por um lado, apenas mais uma desculpa para manter acesa uma guerra interminável entre povos e, por outro lado, mais uma manifestação de desrespeito pelo sofrimento humano.
Lamento que o Mundo seja tão imperfeito, mas, acima de tudo, continuo sempre a acreditar que nada justifica a violência e que o ódio nunca terá fim, se continuarmos a recorrer a ele como arma contra outras manifestações de ódio.

Pacto de Amor

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 349 > Março 2006
Rubrica: Nada de Novo
> Texto: David Vieira

Na véspera da sua primeira profissão religiosa, depois de uma Hora Santa, Leão Dehon, antes de ir repousar, escreveu num rascunho um 4.º voto que, a título particular, queria assumir. Foi o seu Pacto de Amor ou voto de vítima. Durante a noite, mal conseguiu dormir, entusiasmado com a resposta que ia dar ao chamamento do Senhor. Qual seria o seu lugar na Igreja?
“Meio a dormir, vi um campo vasto, uma autêntica seara… Era grande aquela seara, mas os trabalhadores eram poucos, apenas três. Reparou melhor. Todos exerciam as mesmas funções, todos colhiam do cereal abundante, mas cada um com distintas disposições.”
Conseguiu reparar que o primeiro trabalhava não por vontade própria, mas obrigado. Era, sem dúvida, um escravo. Trabalhava não por gosto mas por imposição, com medo de ser castigado.
O segundo, fazia o mesmo serviço, mas com atitude diferente. Parecia um assalariado interessado em ganhar a sua jorna. Mais parecia um negociante que dizia: toma lá o meu trabalho, mas dá cá o meu salário. Trabalhava apenas por interesse.
Finalmente, o terceiro trabalhador exercia a mesma tarefa, mas a sua motivação era muito diferente. Notava-se que trabalhava por amor, não com medo do castigo nem a pensar na recompensa. Era aquele que irradiava mais alegria. Estava ali não como escravo nem como mercenário mas por ser filho do dono da seara. Estava com toda a naturalidade a ajudar o seu pai.
Fixando-se com mais atenção no rosto deste ceifeiro, Leão Dehon reparou que este tinha uma fisionomia conhecida. Tinha o rosto parecido com o dele. Era mesmo a sua cópia fiel. Esta constatação fê-lo voltar à realidade.
Tinha encontrado a resposta à sua pergunta: Qual o seu lugar na Igreja?
Leão Dehon queria ocupar o lugar de filho. Isso explicava as suas disposições ao consagrar-se a Deus pela Profissão Religiosa. Não o fazia por imposição ou por interesse pessoal, mas simplesmente por puro amor. Não esperava recompensa nem prémio, apenas partilhava o seu amor ao Pai.
Mais tarde sintetizou esta reflexão numa frase simples: “O Coração de Jesus é um Coração de Filho”.
Leão Dehon queria ocupar na Igreja o seu lugar de filho, a exemplo do Coração de Jesus.

04 março, 2006

A Folha dos Valentes - 30 Anos


A Folha dos Valentes

- Os jovens gostam,
toda a família lê!



A revista A Folha dos Valentes nasceu há 30 anos. “30 anos a caminhar com os jovens” foi o lema escolhido para assinalar esta efeméride. É propriedade da Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos).

Fundada no decorrer do ano de 1976, A Folha dos Valentes era inicialmente constituída por uma simples folha A4 dobrada ao meio, e tinha um cariz de animação vocacional. Era dirigida a adolescentes e a jovens. A publicação passou por diversas fases de desenvolvimento até chegar à situação actual de uma revista mensal com 48 páginas impressas a cores. Todo este progresso gráfico e físico foi acompanhado por um mesmo empenho no desenvolvimento das temáticas e da qualidade dos artigos e na introdução de novas rubricas que correspondam às expectativas dos leitores.

Actualmente, a A Folha dos Valentes alargou o leque dos seus leitores. De uma revista exclusivamente para os jovens, passou a direccionar-se também para todos aqueles que têm responsabilidades a nível educacional: pais, professores, padres, animadores de grupos juvenis, catequistas, etc. Mais de 30 pessoas, na sua maioria jovens, colaboram na redacção dos artigos que versam as mais diversas áreas: actualidade, informação, arte, testemunhos de vida, entrevistas, psicologia, oração, formação cristã, missões, história da Igreja, Bíblia, ciência, psicologia, aconselhamento, saúde, etc.

A Folha dos Valentes funciona também como um elo de ligação entre os jovens inseridos no movimento da Juventude Dehoniana.

A revista socorre-se das novas tecnologias da comunicação para transmitir a sua mensagem. Um blogue na internet permite aos visitantes ler e comentar alguns dos artigos.

Ao celebrarmos estes 30 anos de A Folha dos Valentes queremos mostrar que valeu a pena o esforço de muitos para que a simples Folha crescesse e se transformasse num instrumento de evangelização e difusão dos valores cristãos junto da comunidade humana.

zeferino policarpo, scj

03 março, 2006

Pela Quaresma

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 349 > Março 2006
Rubrica: Sal da Terra
> Texto: Paulo Rocha

Os textos moralistas são os que mais me custam ler; ouvir discursos nesse tom, só a muito custo… Desconfio, no entanto que, nestas linhas, acabarei por cair mesmo aí (onde menos quereria).

O diálogo com crianças e adolescentes tem que ser acima de tudo transparente e de proposta firme. Não adianta juntar todos os argumentos ou explicações mais ou menos racionais para levar a melhor diante de uma birra ou para motivar o cumprimento de direitos ou deveres (até porque “os demasiados argumentos cansam a verdade”). Há que ser transparente e firme nas posições assumidas, coerentemente assumidas! E sempre em benefício da criança ou adolescente, nunca do comodismo do educador que está diante de quem é aparentemente débil.

Vem esta conversa a propósito do tempo da Quaresma e da proposta de conversão pessoal e da comunidade.

É quando se repetem apelos a essa conversão que o discurso moralista ganha relevo crescente. Serve tudo para motivar à mudança de vida, ao arrependimento… Óptimo!

Mas interrogo-me: porque razão não apresentar, com transparência e simplicidade totais, o Modelo, o Jesus Cristo que viveu como nós, que conheceu circunstâncias temporais, que passou por diferentes situações e a partir delas soube apresentar uma proposta diferente para a vida? Será que alguém, depois de conhecer e de “experimentar” Jesus precisa de apelos à conversão? Não creio: a exigência de conversão é do interior da pessoa que fez essa experiência, é motivada pelo desejo assumido de querer ser como o Modelo. Mas sem o conhecer é impossível querer ser como Ele.

Em tempo de Quaresma, parece ser fundamental apresentar Jesus, por discursos, por textos, mas sobretudo pela vida de todos os dias. Será aí que qualquer outro encontra a possibilidade de também O descobrir e querer viver como Ele.

Como quando estamos diante de uma criança, não adianta levantar a voz, ser ameaçador ou reunir razões racionais ou sentimentais. Interessa antes mostrar, coerentemente, uma forma diferente de viver, inspirada n’Aquele que, há 2000 anos, também ousou viver diferente e de acordo com uma lógica que não era deste mundo: Jesus chamou-lhe Reino de Deus.

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