01 maio, 2006

Uma questão de liberdade de expressão

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 350 > Abril 2006
Rubrica: Outro ângulo
> Texto: Maria Leonor

Há uns anos atrás, quando fazia uma viagem de autocarro, ouvi uma mulher comentar com outra que preferia a hipocrisia do Sul à frontalidade do Norte.
Ainda que eu não pense (nem nunca tenha pensado) que todas as pessoas do Sul sejam hipócritas nem que todas as pessoas do Norte sejam frontais, achei muito curiosa aquela afirmação e nunca a esqueci. Creio que, na altura, o que mais me surpreendeu foi alguém ter uma opinião tão distinta da minha, uma vez que para nós é sempre “difícil” confrontarmo-nos com realidades diferentes, sobretudo quando se aplicam àquelas “verdades” que achamos inabaláveis. Na verdade, toda a minha vida fui demasiado frontal e sempre apreciei isso nas pessoas com quem lidava. Ainda hoje, nada me magoa mais do que saber que uma pessoa que considere amiga possa falar mal de mim a terceiros sem primeiro me confrontar com o que diz a meu respeito. Sei inclusivamente que já deixei de ter amigos por ser demasiado frontal, mas sempre encarei isso como um risco que corremos, já que, como todos sabemos, ter um amigo ou fazer uma amizade pressupõe sempre uma escolha activa e uma partilha de interesses entre ambos. Contudo, com o tempo fui-me apercebendo dos diferentes contornos que a palavra frontalidade pode ter na cabeça de uma pessoa mais sensível.
É inegável que vivemos num país em que se fala excessivamente mal dos outros e em que os reality shows e as coscuvilhices são alguns dos passatempos mais populares e favoritos de grande parte dos portugueses. A liberdade de expressão que hoje temos permite--nos extravasar e dizer tudo o que pensamos, às vezes até de forma rude e insensível, parecendo-me ser esta uma consequência incontornável da repressão que um dia nos caracterizou e que nos fez viver durante tempo de mais num mundinho demasiado pequeno, apenas com referências locais muito redutoras.
Herdámos o que nos foi transmitido e não tivemos culpa de vivermos obcecados com a rotina, o pormenor e a maledicência, mas parece-me que esta nova geração de jovens deve quebrar essa barreira com o passado e alargar os seus horizontes para além das quatro paredes dos seus quartos. Deve informar-se, envolver-se em actividades extra-escolares e construir uma vida própria cheia de referências de qualidade e de valores. Deve sobretudo adoptar a regra de ouro, “fazer aos outros o que gostariam que lhes fizessem a eles”, e acima de tudo tentar ser felizes e fiéis a eles mesmos. Essa seria a maior conquista de uma liberdade adquirida há apenas umas poucas dezenas de anos e assinalada agora durante o mês de Abril.
Num mundo cheio de contrastes e de opiniões distintas, é a liberdade que nos dá a opção de seguir o caminho com o qual nos identificamos mais, é a liberdade que nos permite ser frontais, mas é o bom senso que deve prevalecer sempre nas nossas opções de vida, até porque ser frontal é “dizer a coisa certa no momento certo”. Se, na prática, formos frontais desta forma, estou convicta que ninguém preferirá a hipocrisia à frontalidade e seremos, com certeza, muito mais felizes no nosso dia-a-dia.

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