01 maio, 2006

Estar à altura da fé...

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 350 > Abril 2006
Rubrica: Pedras Vivas
> Texto: António Augusto


Na pujança da Primavera, o encanto da Páscoa, a nossa (nossa, dos cristãos) festa! Quando penso em Páscoa, penso em “compasso”, como dizemos cá pelo Norte, ou em “Visita Pascal”, como se diz noutros pontos do país. E compasso, para mim, é alegria e festa; é anúncio da mais maravilhosa de todas as notícias: A MORTE FOI VENCIDA, Cristo derrotou-a!

E lembro-me de um compasso que fiz, que tive que interromper cerca de hora e meia para fazer um funeral. Avisados, os da comitiva queriam mudar de opa, porque achavam que aquelas vestes festivas destoariam, o da cruz queria que lhe trouxessem outra não enfeitada, como se naquele pudéssemos esquecer, nem que fosse por breves instantes, que o Senhor que anunciávamos era o Cristo da Páscoa gloriosa, o Senhor da vida. O da campainha queria deixar de a tocar lá nos arredores da casa. E até os miúdos, que, alegremente, nos acompanhavam, foram admoestados para que não fizessem barulho. O sineiro, esse, não entendia como podia tocar festivamente, em hora de finados, e o sacristão queria a todo o custo que o paramento fosse roxo.

Pedi que chamassem alguém da família, para combinarmos as coisas. Veio uma filha, que era a animadora do grupo de jovens daquela paróquia. Apresentei-lhe as minhas condolências e com toda a precaução fui-lhe lembrando que a liturgia da Páscoa é tão solene que se sobrepõe a tudo e que por isso, mesmo sendo um funeral, naquele dia tudo seria diferente. PORQUE JESUS RESSUSCITOU.

– Entendo, perfeitamente, Senhor Padre. Faça o que tem a fazer e como deve. Quanto a mim e aos meus familiares, não se incomode, saberemos estar à altura da fé que professamos.

Gostei do que ouvi. Às vezes é tão complicado explicar estas coisas. Na hora combinada lá fomos. Pedi ao da campainha que não deixasse de tocar, pois se havia sítio onde o anúncio da ressurreição tinha que ser dado, naquele dia e naquela paróquia, era ali, naquela casa. Os da comitiva lá foram festivamente vestidos, de opa branca, o paramento foi branco e o sino tocava festivamente. Chegámos à casa do defunto. No caminho que ia do portão até à casa da família enlutada, havia flores e rosmaninho no chão, como em todos as outras casas, pelas escadas acima estavam os elementos do grupo de jovens da paróquia. Quando nos aproximámos, pegaram nas suas guitarras e flautas e começaram a cantar cânticos ao Senhor da Glória, que venceu a morte. Na sala onde estava o caixão não havia panos pretos, mas de cetim branco, com um crucifixo, também enfeitado, ladeado por duas velas acesas. Tão simples e tão lindo!
Apesar da dor que a despedida de um familiar ou de um amigo sempre provoca, não havia gritos histéri-cos, como há em tantos funerais, mas cânticos, orações e súplicas. E foi assim todo o caminho até à Igreja, e depois até ao cemitério. E na hora da descida à sepultura aquela jovem pediu-me para dizer uma palavrinha. Agradeceu a forma como a família e os seus amigos tinham sabido acreditar que há MAIS VIDA DEPOIS DA MORTE e dado público testemunho da fé que todos tínhamos na Ressurreição de Jesus, garantia da nossa própria ressurreição.
E de olhos no céu, disse, com a firmeza possível em tal circunstância:
– Obrigado, ó Deus, pelo meu querido Pai.
E mais não disse. Deixou cair uma lágrima silenciosa, deitou sobre o caixão do Pai o ramo de flores brancas que carinhosamente trazia nas mãos e começou de novo a cantar:
– Ó morte, sempre vencedora, onde está agora, a tua vitória?
E todos cantámos:
– Ressuscitou! Ressuscitou! Ressuscitou! Aleluia.

Não gosto de funerais, mas daquele gostei: foi um funeral cristão!

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