06 junho, 2006

Tempo para Deus

in A FOLHA DOS VALENTES - Nº 351 > Maio 2006
Rubrica: Planeta Jovem
> Texto: Grupo de Jovens Profetas de Assis

“Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante” (Antoine de Saint-Exupéry, in O Principezinho). Esta pequena frase dita pela raposa ao principezinho, tão densa quanto simples e directa, coloca-nos inevitavelmente perante aquele que é, na nossa opinião, um dos maiores problemas que a pastoral juvenil enfrenta actualmente. De facto, ouvimos dizer com frequência que “os jovens não vão à igreja”; melhor, “os jovens não põem os pés na missa”. A nós, porém, parece-nos bastante mais realista e até apropriado afirmar que os jovens não dedicam tempo suficiente a Deus.
Visto deste prisma, o problema afigura-se até um pouco mais sério, uma vez que a relação do jovem com Deus falha nas diversas dimensões que deveria contemplar e que são, naturalmente, fundamentos para a sua própria felicidade. Referimo-nos, entre outras, à falta da prática de uma caridade expressa por gestos concretos; referimo-nos à falta de oração pessoal, à inexistência do encontro íntimo com Deus; referimo-nos à incógnita que é, para a maioria, a própria Palavra de Deus, cuja leitura parece dizer respeito apenas aos clérigos e religiosos; referimo--nos, é claro, ao mistério da Eucaristia, tantas vezes celebrada para uma assembleia demasiado envelhecida na idade e na disposição.
E quais as razões para tal afastamento? Não nos surpreende que o jovem do século XXI prefira os amigos à restante comunidade cristã, a cama à celebração dominical, um qualquer livro de ficção à Palavra de Deus. Olhemos atentamente estas situações, tal como muitas outras, e veremos através delas o comodismo, diríamos até o egoísmo, de quem não está disposto a deixar o seu espaço e bem-estar para se aproximar de Deus e dos irmãos.
Por outro lado, é certo também que por vezes o culto não é suficientemente cativante. Antes de mais, consideremos que este não é um argumento minimamente válido para não se tomar parte nas celebrações da comunidade. Isto, porque quer apontemos o dedo à falta de organização, à pobreza da liturgia e do canto, ou ainda à incapacidade do pregador, é de toda a comunidade a responsabilidade de prestar um culto digno a Deus. Assim, e tomando como exemplo a falta de jovens nas eucaristias dominicais, parece--nos que esta resulta do comodismo (egoísmo) dos jovens, agravado por sua vez pela incapacidade da restante comunidade para os cativar e acolher no seu seio.

Contudo, se nos debruçarmos um pouco mais sobre este assunto, acabaremos por chegar à conclusão de que a verdadeira razão para este afastamento afinal não diz respeito apenas aos jovens. Trata-se da falta de fé, um problema que afecta as sociedades outrora mais crentes, mas que hoje não encontram razões para permanecerem voltadas para Deus. E se toda uma sociedade não encontra razões para permanecer em Deus, como podem os seus jovens, não obstante toda a força e entusiasmo que possuem, encontrar tempo para Deus?
Esta é uma questão densa, que diz respeito directamente a toda a Igreja. É na juventude que reside o futuro, também o futuro da cristandade. Por esta razão, parece-nos que a pastoral juvenil precisa, senão de uma renovação, pelo menos de uma reformulação no que diz respeito aos seus métodos, tal como de um novo entusiasmo.
Olhemos uma questão muito prática: se a juventude não encontra razões para “gastar” tempo com Deus, porque não dar-lhe essas razões, mostrar-lhes o quão importante é o tempo gasto em favor dos outros e em louvor de Deus? Ou devemos continuar a lamentar--nos porque os jovens não vão à Igreja e, quando nos encontramos perante um deles, dizemos que devia ir, que devia ter estado? Aí ele pergunta porquê, muitas vezes apenas interiormente, e nós limitamo--nos a repetir que devia ir, que devia ter estado… E as razões? Não esqueçamos que, não só por sua culpa, a nossa juventude está descristianizada, e por isso não podemos partir de uma experiência de fé que ela ainda não fez.
Logo, o caminho que nos parece mais indicado percorrer para cativar e evangelizar a juventude do século XXI é, sem dúvida, o do testemunho. Esta dimensão da vida e missão cristãs pode e deve, em conjunto com a oração, cativar os jovens que nos rodeiam. O que sentirá um destes jovens quando confrontado com uma assembleia que contagie tudo e todos com a sua alegria, por exemplo ao sair de uma Eucaristia? O que sentirá ao ver um grupo de jovens que respire entusiasmo e força de vontade ao ajudar os outros, sobretudo a comunidade? O que sentirá ao testemunhar o encontro de um amigo com Deus e a felicidade que esse encontro proporciona?
Este testemunho é fundamental, é urgente, e é missão nossa. Testemunhar a experiência pessoal e comunitária de Deus é missão de todo o cristão, mas testemunhá-la aos jovens, é especialmente a nossa missão, a missão de todo o jovem cristão. Não deixemos pois de fazer um apelo directo a cada amigo, a cada conhecido, a cada jovem que se cruzar na nossa vida. Porque não juntar a esta frase tão verdadeira quanto gasta “a Igreja sem jovens é uma Igreja sem vida”, um apelo tão directo quanto urgente: “a Igreja sem ti é uma Igreja incompleta”?

Depois deste primeiro passo haverá ainda, com certeza, um longo caminho a percorrer, até que o jovem compreenda o quão importante é para ele e para a Igreja a sua presença, o quão “rentável” é o tempo gasto com e para Deus. Atingirá este ponto quando compreender e, acima de tudo, concordar com a pequena afirmação da raposa: “Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez a tua rosa tão importante”. Frase simples e directa mas, acima de tudo, sábia. Gastemos tempo com Deus, demos-Lhe o nosso tempo, e Ele o transformará em tempo de salvação e felicidade, Ele o transformará num tempo especial.


PROPOSTA DE REFLEXÃO

> O que nos leva a estar com Deus e a participar nas celebrações da comunidade a que pertencemos? O que poderá levar mais jovens a fazer o mesmo, dedicando um pouco do seu tempo para Deus?

> Rever os conteúdos e métodos da pastoral juvenil, para que esta seja capaz de integrar a realidade actual e, de acordo com os seus princípios, cativar uma juventude já por si tão solicitada.

> Promover inquéritos, grupos de reflexão e seminários acerca do tema, envolvendo especialmente os diversos grupos de jovens.

> Promover, no sentido do testemunho e da partilha, intercâmbios entre os diversos grupos de jovens.

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